domingo, 16 de fevereiro de 2014

Perguntas que também eu faço

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1. Tendo em conta que dos objectivos iniciais do Memorando, considerados fundamentais (e que eram apresentados como a cartilha inexorável do governo até à demissão de Vítor Gaspar), se contava conseguir controlar o défice para os seguintes números: 5,9% em 2011, 4,5% em 2012, 3% em 2013 e se chega ao final de 2013 com o défice previsto de 5%, como é que se pode afirmar que o “cumprimento” do Memorando foi um “sucesso”?

2. Tendo em conta que a dívida máxima prevista no Memorando era de 114,9 % do PIB, e a dívida no final de 2013 era de perto dos 130% do PIB, como é que se pode afirmar que o “cumprimento” do Memorando foi um sucesso?

3. Tendo em conta que, mesmo estes resultados, muito longe dos objectivos iniciais, só foram conseguidos quer pelo aumento brutal dos impostos, fazendo a consolidação orçamental essencialmente do lado da receita e não da despesa como estava previsto, quer através do contínuo uso de receitas extraordinárias, presentes em todos os orçamentos desde 2011 (incorporação de fundos de pensões, perdões fiscais, etc.), como é que se pode afirmar que o “cumprimento” do Memorando foi um sucesso?

4. Tendo em conta que o objectivo do Governo era usar o Memorando “indo além da troika” para fazer uma “revolução” nos comportamentos gastadores dos portugueses e numa refundação estrutural da economia portuguesa, e que isso previa, em 2011, conseguir-se bastante depressa, onde é que existem esses novos hábitos que não resultem da maior penúria de pessoas e famílias, e onde estão os sinais das mudanças estruturais da economia portuguesa? Como é que se pode afirmar que o “cumprimento” do Memorando foi um sucesso para garantir estes objectivos?

5. Como o controlo da balança de pagamentos se fez essencialmente à custa da recessão da economia e da brutal quebra do consumo, como é que se pode esperar que qualquer recuperação económica, por pequena que seja, não ponha em causa esse controlo?

6. Que papel têm no fechar de olhos europeu e da troika a estes resultados muito longe do previsto, as circunstâncias políticas das próximas eleições europeias com um ascenso claro de forças antieuropeias para quem a permanência da crise do euro e das dívidas soberanas é um argumento central?

7. Ou que papel tem na fácil aceitação de resultados medíocres, e mesmo no seu elogio público por responsáveis europeus, a consciência de que não é possível prosseguir estas políticas, entre outras coisas porque não existe consenso europeu para continuar a apoiar directamente os países do Sul endividados e, por isso, ser mais fácil fazer uma cosmética do sucesso do que uma verificação do falhanço? Ou por se temer que a má fama dos “protegidos” do “protectorado” atinja a boa fama dos “protectores”?

8. Por que razão em 2011, quando se iniciaram políticas em nome do cumprimento do Memorando, e, supostamente por ordens da troika (o que é inverificável por não haver documentação acessível sobre a evolução das conversações, não se sabendo o que veio da troika e o que veio do Governo português), não se previa outra solução que não fosse o “regresso aos mercados” em 2014, e, a partir de 2013, se passou a discutir a possibilidade de um novo resgate, seja sob a forma de um outro empréstimo, seja de um "plano cautelar"?

9. Isso significa que existe a consciência de que em 2014 Portugal tem de continuar a estar sob qualquer forma de assistência internacional? Durante quanto tempo? Se se tiver em conta o chamado Pacto Orçamental, para sempre?

10. Se Portugal tiver uma “saída limpa”, ou à irlandesa, isso deve-se às vantagens políticas dessa solução em vésperas de eleições ou à convicção do Governo de que, no futuro imediato, aconteça o que acontecer, os juros portugueses permanecerão abaixo dos 4,5% a longo prazo? E que garantias existem para que, caso isso não aconteça depois de 2015, e terminado o “tesouro de guerra” adquirido nestas últimas emissões, não haverá necessidade de um novo resgate?

11. Será que o Governo espera recolher os louros de curto prazo com uma saída “limpa” e depois deixar os problemas de sustentabilidade da “limpeza” para os seus sucessores na governação? Quem vier a seguir encontrará uma espécie de bomba relógio deixada pela “saída limpa” que permanece dormente durante dois anos e depois explode nas mãos de quem estiver no Governo?

12. Quando é que as políticas de severa austeridade serão, no entender do Governo, primeiro mitigadas e depois terminadas? Daqui a dez anos? Vinte? Trinta? Todos estes números já foram avançados, mas convinha saber o que pensa o actual Governo.

13. Ou seja, quando é que os salários começam a crescer, o desemprego a diminuir, as reformas a retomar valores do passado, o poder de compra dos portugueses a aumentar? Ou seja, a haver uma recuperação social e não apenas uma recuperação económica, cujos frutos a existir podem não ser distribuídos ou ser distribuídos de forma desigual?

14. Tendo em conta que o Governo responderá a todas estas perguntas anteriores e às seguintes com “depende da recuperação económica”, como espera o Governo repor os canais de justiça social que tem vindo a fechar nos últimos dois anos, ao baixar salários, despedir pessoas, acentuar a taxação sobre o trabalho, ou fazer aquilo que eufemisticamente se chama “desvalorização fiscal”? Ou seja, o que é que o Governo vai fazer para que o “milagre económico”, que depende das empresas, mas também do trabalho, conheça uma mais equilibrada distribuição de riqueza na sociedade, para evitar agravar o fosso da sociedade portuguesa, entre ricos e pobres? Ou seja, quando começa a por termo às politicas actuais?

15. Tendo em conta que existem algumas centenas de milhares de portugueses (duas, três centenas de milhares?) que estão desempregados mas fora das estatísticas do desemprego, os chamados “desencorajados”, que já nem sequer se deslocam aos centros de emprego regularmente, que políticas tem este Governo para este número muito elevado de portugueses? Desde já.

16. Tendo em conta que existem mais umas largas centenas de milhares de portugueses – 525 mil desempregados de longa duração, dos quais 342 mil estão nessa situação há mais de dois anos – que não têm perspectivas de emprego provavelmente até ao fim da vida, que políticas tem este Governo para este número muito elevado de portugueses? Desde já.

17. Tendo em conta que cerca de 25% dos portugueses são pobres, número certamente abaixo da realidade, e em claro crescimento, sendo que 4,5 milhões de portugueses estariam na pobreza sem prestações sociais, que políticas têm este Governo para este número muito elevado de pessoas?

18. Tendo em conta que o Governo diz que “protege” estes pobres dos efeitos da crise (o que não inclui os custos dos aumentos de rendas, da energia, dos transportes, dos produtos e serviços básicos, mas apenas a “protecção” de pensões e prestações sociais muito baixas), significa isso que se limita a uma atitude passiva de manter a grande bolha de pobreza, mas não dá aos que estão lá dentro qualquer possibilidade de aí saírem? Ou seja, que políticas existem ou estão previstas para retirar as pessoas da pobreza? Ou a sua condição é considerada imutável apenas para manter de forma mais ou menos assistencial?

19. Como é que o Governo pode pensar que em Portugal se vai dar um “milagre” económico com a pauperização do principal sector dinâmico da sociedade, a classe média? Como é que, com uma classe média cada vez mais frágil, é possível manter um elevador que garanta a mobilidade social de baixo para cima, sem a qual qualquer “milagre” económico não existe a não ser como propaganda? Ou o Governo entende que uma coisa é a “recuperação económica”, que diz respeito às “empresas”; e que a “recuperação social” ou é um subproduto espúrio da actividade empresarial, ou não é uma prioridade política?

20. Quando o Governo fala dos portugueses, considera que está a falar destes muitos milhões de pessoas para quem não existe qualquer perspectiva de futuro e para quem o Governo não tem quaisquer políticas e aparenta não se preocupar por não ter? Afinal quem são os portugueses reais se não são estes milhões de portugueses?"
(José Pacheco Pereira. Perguntas que eu gostaria de fazer a propósito do "milagre económico". Na íntegra: aqui.)

3 comentários:

Majo disse...

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~ ~ Branco no preto, assinado por um laranja. ~ ~
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~ ~ JPP, no melhor da sua eloquência e no que melhor faz. ~ ~
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~ ~ Os rosas agradecem. ~ ~
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~ A propósito, pergunto eu, não é altura do PS, pensar, sériamente, num líder à altura dos desafios? ~

Francisco Clamote disse...

À pergunta, Majo, responderia que sim, mas, de facto, pouco interessa o que penso ou deixo de pensar sobre o assunto, porque a decisão é da exclusiva responsabilidade dos militantes do PS, colectivo onde não estou incluído.

Anónimo disse...

Vou fazer link, Francisco.